Sobre o que eu quero lembrar

14 de julho de 2020

O difícil de ir a um funeral é que aquela imagem fica na cabeça por dias. Eu não quero lembrar de você naquele estado — ainda que seu semblante parecesse sereno, eu não quero lembrar do corpo sem vida a sete palmos do chão.

Eu quero lembrar das risadas, quero lembrar das músicas, das receitas de natal, dos passeios. Quero lembrar de quando íamos comprar roupas e sempre que eu achava uma peça que me chamava atenção você imediatamente ressaltava o quão brega era. Quero lembrar das substituições absurdas nas receitas, transformando biscoitinhos de gengibre em qualquer outro tipo de biscoito. Quero lembrar das vezes em que você esquecia sua própria capacidade de tolerar álcool e tivemos que te levar ou ao pronto socorro ou para casa arrastada. Quero lembrar da tua capacidade de sorrir e fazer piada mesmo diante de todas as adversidades — talvez uma das melhores coisas que herdei de você. Quero lembrar da sua força, da sua dedicação, do seu amor que, mesmo torto, sempre esteve presente.

Quero lembrar de quem você era no último ano novo. E mesmo quando você foi se apagando aos poucos, eu insisto em lembrar de todos os momentos em que você conseguiu passar por cima da doença e ser você.

Eu não quero lembrar daquele corpo parado coberto por flores em um sono eterno. Eu quero lembrar de você.

Um comentário:

  1. Sinto muito mesmo Maria. Não tem nada a dizer. As lembranças tardam a ir embora, e agora é uma viagem de nostalgia e muitas outras coisas. Espero que você tenha todo o apoio necessário pra passar por esse momento e que as boas lembranças possam acalentar um pouco seu coração. Que você possa bloquear os achismos e opiniões alheias e levar as coisas no seu tempo. Um beijo pra você!

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