Bruna e o Rosto Perdido

19 de outubro de 2020

A terrível história que estou prestes a contar aconteceu de verdade, em um universo não muito distante do nosso, no qual blogueiras influenciadoras não eram punidas por incentivar práticas perigosas. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Em uma noite de verão, Bruna estava procurando uma receita para se refrescar. Eis que viu uma receita de skincare caseira com a premissa de refrescar a pele indicada por Ana Carolina, uma das blogueiras mais famosas do momento. A receita consistia em óleo de coco e alguns ingredientes meio estranhos, como ácidos dos quais nunca ouvira falar. Ainda assim, Bruna confiava piamente nas dicas de Ana Carolina e resolveu tentar. No dia seguinte, foi na farmácia e adquiriu os ingredientes necessários para a receita.

Estava tudo pronto. Bruna estava apenas esperando o anoitecer para lambuzar o rosto com o creme produzido por suas próprias mãos, acreditando que na manhã seguinte estaria com a pele igual de Ana Carolina, invejada por todes na blogosfera.

Ao passar o creme, a protagonista sentiu um pinicar estranho, por vezes dolorido, mas lembrou de ter visto Ana Carolina falando que peles diferentes reagiam de formas diferentes e, em algumas pessoas, poderia causar um certo desconforto. Não se importou tanto e foi dormir, sem remover o creme da pele.

Não foi uma noite fácil. Enquanto lutava contra uma dor estranha no rosto, Bruna tinha pesadelo atrás de pesadelo. Em um deles, estava usando uma máscara de hockey, como faz Jason na franquia Sexta-Feira 13. Um detalhe que não pode deixar de reparar é que a máscara estava ensanguentada, como se ela mesma tivesse atacado alguém.

Bruna acordou suando e com uma ardência extrema em seu rosto. Pensou que estaria tendo uma reação alérgica e foi correndo para o banheiro para retirar o creme. Ao se encarar no espelho, Bruna não conseguiu acreditar no que viu.

Músculos expostos e sangue. Muito sangue. O líquido vermelho escorria por seu pescoço e peito, quase alcançando sua camisola, enquanto estava perplexa olhando no espelho aquela face completamente desfigurada. Em alguns lugares ainda restava um pouco de pele, como se houvesse crateras de músculo exposto e poucas ilhotas cutâneas.

Uma lágrima caiu de seu olho. Bruna gritou. Jamais esperaria que o toque da lágrima em carne viva seria tão dolorido. Perdeu o equilíbrio e caiu no chão, urrando de dor. Ficou aliviada por não morar com a família, pois certamente acordaria alguém naquele momento. Ao lembrar de família, lembrou de Esther, sua namorada. Como iria encarar Esther com esse rosto? Não podia. Jamais.

Tentou respirar fundo, como Esther tinha ensinado para que fizesse sempre que estivesse prestes a ter uma crise de ansiedade. Sabia que o que sentia agora já tinha passado de ansiedade, estando mais para um pânico generalizado, como se a morte estivesse à espreita. Ou talvez como se ela já tivesse acontecido, afinal de contas, agora ela estava feia. E que tipo de vida pode-se ter sendo feia?

Apenas quando o pânico passou foi que Bruna conseguiu pensar claramente. Lembrou que, se ela quisesse ter uma chance de ter um rosto um pouco menos desfigurado no futuro, precisaria de cuidados médicos. Não suportava a ideia de sair de casa daquele jeito, então chamou uma ambulância. Chegando no hospital, foi atendida com urgência, não porque sua vida estava em risco naquele exato momento, mas porque a exposição da carne aumentava consideravelmente o risco de infecções. Foram realizados enxertos de pele, que garantiram que seu rosto estivesse “completo”, mas as cicatrizes continuavam; a deformidade ainda estava lá.

Não saberia dizer quanto tempo Bruna passou no hospital. Foram dias? Semanas? Não sabia. Contudo, durante todo este tempo, uma coisa tinha clara em sua mente: os pesadelos daquela fatídica noite não eram apenas pesadelos, mas premonições. A sede de vingança era o que a mantinha viva. Sentia que tinha perdido tudo em sua vida; toda a beleza, seu emprego — já que não aparecia há alguns dias sem dar satisfações —, seus sonhos, Esther…

É claro que Bruna recebeu muitas mensagens de Esther durante esse tempo, mas não tinha coragem de respondê-las. E se ela contasse o que aconteceu? E se Esther quisesse visitá-la no hospital? Como iria se sentir quando Esther a rejeitasse por não sentir mais atração por ela? Não conseguia lidar com isso. Sabia que Esther teria ido ao seu apartamento, mas não deixou para trás nenhuma pista de que estaria no hospital. Fez questão de deixar pistas fazendo parecer que tinha fugido por conta própria, assim a polícia não iria perder tempo investigando. E Esther jamais saberia dela novamente.

Arquitetou diversos planos para se vingar. Pensou em fazer um composto parecido, mas dez vezes mais potente, e arranjar um jeito de invadir a casa de Ana Carolina e aplicar o creme nefasto em seu rosto enquanto ela dormia. Também pensou em expor publicamente o que havia sofrido por conta da receita que Ana Carolina publicou e assim acabaria com sua carreira, mas achou arriscado pois certamente seria reconhecida.

Até que, ao sair do hospital, Bruna soube que Ana Carolina estava em sua cidade, hospedada em um dos hotéis mais chiques da região. Resolveu usar tudo o que havia sobrado de suas economias para se hospedar lá também, a fim de descobrir o quarto no qual estava e, por fim, realizar sua vingança. Decidiu que acabar com o rosto ou a reputação da blogueira não era o suficiente — agora, Bruna queria sua vida.

Passou rapidamente em seu apartamento, fez uma mala pequena com roupas que cobriam seu corpo inteiro e, para esconder o rosto, pegou um cachecol vermelho grosso, um óculos de sol e um chapéu marrom. Ao chegar no hotel, não precisou nem mesmo realizar check-in, pois descobriu que Ana Carolina estava fazendo uma coletiva de imprensa no salão, e poderia ir até lá assistir ao evento.

O que aconteceu nos momentos seguintes, Bruna não esperava. Ao ver Ana Carolina, não conseguiu se conter. Sentiu seu sangue ferver, lembrando de toda a dor que havia sofrido por conta da receita que deu errado. A dor física era apenas um adendo, pois a dor emocional era mil vezes maior. Sem pensar, Bruna foi se aproximando do palco em que Ana Carolina estava, com a mão no bolso interior de seu sobretudo, onde tinha guardado uma faca. Enquanto se aproximava, foi tirando lentamente a faca da bainha, e mesmo sem ter revelado a arma branca que portava, todos os olhares estavam agora voltados a ela.

Bruna pulou no palco. Seguranças estavam a postos, mas não conseguiram impedí-la de chegar perto de Ana Carolina. Ao revelar a faca, o berro de Ana Carolina foi tão alto que todos os gravadores do recinto ficaram com o som estourado.

Este era o fim. Bruna finalmente teria se vingado. Ela teria acabado com a vida de quem lhe causou tanta dor. Estaria livrando todas as outras pessoas que poderiam sofrer nas mãos das receitas perigosas de Ana Carolina. Sabia que estava fazendo a coisa certa.

Até que, na plateia, avistou Esther. Sua (ex)namorada estava sentada com uma expressão perplexa, como se fosse incapaz de acreditar no que estava vendo. Por um momento, a futura assassina perguntou-se se ela teria a reconhecido, mas logo lembrou que seria impossível por conta do cachecol, dos óculos escuros e do chapéu.

Tarde demais. O choque de ter visto Esther no recinto fez com que Bruna sentisse um gelo descendo sua espinha, tornando-a incapaz de se mover. Os seguranças aproveitaram a deixa, desarmaram Bruna e imobilizaram seus braços. A partir deste momento, as memórias de Bruna viraram um borrão. Sua mente não conseguia compreender o que estava acontecendo, nem mesmo o que estava prestes a fazer. Foi levada à delegacia mais próxima, onde foi registrado uma queixa de tentativa de assassinato.

O plano de se manter anônima para que Esther não a encontrasse foi por água abaixo, visto que partes do julgamento foram televisionadas e seu nome estava circulando entre todas as páginas da blogosfera.

Após ter sido presa, tinha o direito de fazer ligações vez ou outra. Ligou para Esther.

— Alô?

— Sou eu, Bruna.

— … — Bruna pode ouvir um suspiro do outro lado da linha. — Por que? — perguntou Esther.

— Eu não sei. Eu precisava me vingar, eu precisava… — Bruna foi interrompida.

— Por que não me chamou para te ajudar? Por que não me permitiu estar com você nesse momento? Você esqueceu que juramos estar juntas sempre, independente do que acontecesse? Eu poderia ter te ajudado a lidar com tudo isso de outras formas, eu tenho parentes advogados, você sabe disso!

— Meu bem, eu não tive coragem de me mostrar para você desse jeito…

— Não teve coragem de aparecer na minha frente, mas teve coragem de tentar matar uma pessoa? — dizia a voz trêmula de Esther. — Bruna, eu não te reconheço mais.

Após dar um suspiro, Bruna se exaltou:

— Eu também não me reconheço mais, Esther! Olhe meu rosto! Eu também não faço mais ideia de quem eu sou!

Ao ouvir essas palavras, Esther desligou o telefone. Nunca mais atendeu às ligações.

FIM

Este foi o conto que escrevi para a blogagem coletiva de Outubro do Together! Eu precisava escrever um conto que contivesse as seguintes palavras: skincare, terrível, sangue e tempo. Queria agradecer a minha amiga Chii que me ajudou com alguns detalhes de plot e com os nomes das personagens (a única que dei nome eu mesma foi a Esther).

A imagem ilustrativa foi editada por mim e isso explica o porquê de ela estar tão tosca.

Por fim, espero que tenham feito uma boa leitura!

Esta postagem faz parte da Blogagem Coletiva de Outubro do Together, um projeto para unir a blogosfera! Para saber mais, clique aqui.

5 comentários:

  1. Olá Maria!

    Puxa, quando vi que você pegou esse conjunto de palavras, fiquei um tanto curiosa para saber como você iria encaixar tudo. E parabéns, pois foi um ótimo conto! Fiquei triste pela Bruna, coitada :( Mas seu conto serve até como alerta, porque nem tudo serve para nós e essas coisas da internet é bastante perigoso. Confesso que achei que iria rolar algo como tirar o psicológico da Ana Carolina até ela não aguentar mais, mas amei que o seu conto foi real. Pra mim, que não gosto de histórias tão cheias de terro, foi perfeito!

    Sobre o comentário no post da Sulli, eu estava em dias bem ruins. Estou tento picos bem ruins na verdade, e naquele dia justamente onde completou um sem a Sulli, eu estava bem mal. Aí misturou tudo e eu só quis escrever. Uma porque ela é uma das minhas favoritas do grupo f(x), então eu realmente senti perdendo alguém próximo. Dois, porque a Sulli merece ser lembrada pra sempre por mim. Ela era uma mulher incrível.

    Bom, amei o seu conto. Espero que isso te anime a escrever mais :)
    Beijos ;*

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    1. AAAA, fico feliz que tenha gostado do meu conto! *w*

      Sim, eu sou bem cética com essas receitinhas caseiras de influencers. Nem tudo que é natural é inofensivo, né?

      Eu quis fazer um final mais realista, criando essa atmosfera de vingança e satisfação, pra no fim jogar um balde d'água fria. Adoro histórias assim! UAHEUAHE

      Obrigada pela visitinha ♡

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  2. Hello, Maria! ♥
    Desculpa a demora em te responder, meu outubro estava bem atolado de coisas e agora as coisas tem estado nos eixos. Muito obrigada pelo comentário na última blogagem do Together e fico feliz pelo mesmo ♥

    Sobre seu conto, confesso que fiquei deveras assustada por um momento porque imaginei como estaria o rosto de Bruna e na minha imaginação não estava nada bonito (acho que esse era o objetivo também xD).

    Achei tudo bastante real, pela situação, essas receitinhas caseiras de skincare (esse assunto tá bem em alta, né?) que podemos achar bem fácil na internet... Inclusive me perguntei, antes de ler o final, se a Esther e a Bruna ainda estariam juntas depois dela tentar assassinar a Ana! Acho que o final não poderia ter sido outro. Muito bem escrito! Me prendeu e ainda consegui imaginar perfeitamente as cenas e as emoções das personagens no conto.

    Beijos ;*

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  3. Hello Maria!

    Wow! Seu conto foi na pegada realista, e ficou maravilhoso. Conseguiu me prender do incio ao fim. Achei a ligação final emocionante, foi bem a reação que imaginei que aconteceria quando Esther descobrisse.

    Ficou show!
    Bjinhos!

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  4. Não vou mentir, quando vi que tinha escolhido conjunto com "skincare" no meio fiquei meramente curiosa para saber o que sairia disso e, enquanto lia meio que consegui sentir o drama da Bruna ;w; veja bem, eu já cortei o meu rosto e lágrimas ardem que é uma beleza, se não bastasse isso, por conta da minha acne, perdi a conta de quantas coisas meti no meu rosto para diminuir a intensidade das protuberâncias e bem, algumas pinicam mesmo, meu rosto ficava dolorido depois de usar algumas - só não dormia com elas, e não mataria alguém por ter tido um resultado ruim.

    No mais, sua peça foi bem visceral Maria! Os detalhes ficaram nos lugares certos, alimentando o interesse conforme a leitura e esse final foi a cereja no topo do bolo. Parabéns a você e a sua amiga Chii, juntas vocês fizeram um ótimo trabalho!

    Beijos, Snow!

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