Dilemas bipolares: sobre só funcionar quando está com defeito

28 de outubro de 2020

Nas últimas semanas, estive medicada com um antidepressivo e um antipsicótico. Levando em consideração o meu diagnóstico de transtorno bipolar, é pertinente considerar a possibilidade de eu ter entrado em uma fase maníaca, tendo em vista que não estava tomando nenhum tipo de estabilizador de humor.

Após um longo período com dificuldade de sair da cama e fazer qualquer coisa, eu finalmente estava sendo capaz de fazer o que tinha que fazer. Eu levantava, tomava meu café, assistia às aulas, fazia os trabalhos, cuidava das coisas de casa que precisava cuidar, em suma, eu estava sendo um ser humano funcional.

Além disso, consegui também me dedicar a alguns hobbies (como o blog), consegui jogar algumas coisas, consegui tirar bom proveito do meu tempo de lazer. Eu estava bem. Só tinha um problema...

Eu não conseguia parar de pensar. E nem todo pensamento que vem à cabeça é bom. Como todos bem sabem, ou ao menos deveriam saber, nossos pensamentos são como um rio que corre livremente, e não temos controle algum sobre suas águas.

Pensamentos bons e ruins trafegam pela nossa mente o tempo inteiro, mas geralmente somos capazes de decidir quais pensamentos prestar mais atenção e quais deveríamos deixar passar. Em mania, isso não acontece.

Todo e qualquer pensamento, seja ele agradável ou não, se torna incapaz de seguir a corrente. É como se houvesse uma represa, e ele fica lá o tempo inteiro forçando para passar, sem sucesso, até o momento em que grita por ajuda — então, é impossível não ouvir.

Tais pensamentos ficam presos como moscas em uma teia de aranha, gritando por ajuda o tempo inteiro. E você tenta deixar pra lá, não no sentido de reprimi-los, mas no sentido de deixar que eles sigam seu curso, mas você simplesmente não consegue; eles gritam, e gritam, e gritam.

E os gritos ficam cada vez mais altos, até você sentar e tentar conversar com eles. E ser engolida por eles. E ser morta por eles. Essa batalha, infelizmente, você não vence.

A saída, então, é tentar expressá-los. Quem sabe por isso mesmo consegui fazer tantas coisas nas últimas semanas — meus pensamentos eram convertidos em energia, e essa energia era liberada a medida em que me empenhava nas tarefas do dia a dia.

Contudo, apenas isso não é o suficiente. Tem horas que o corpo não consegue mais acompanhar a mente, e você desaba. E, novamente, os pensamentos precisam sair. Como? Por onde? De que forma?

No meu caso, pela agressividade. Em mania, eu fico extremamente agressiva. Qualquer coisa é motivo para eu perder a razão e entrar na defensiva.

E, nesses momentos, eu simplesmente não posso conviver em sociedade, porque eu não tenho filtro algum. Eu machuco, e me divirto machucando. Não é bom. Não faz bem para as minhas relações interpessoais. Não me faz bem.

Contudo, quando não estou em mania, eu sou simplesmente uma mosca morta. Não consigo produzir direito. Não preciso nem estar depressiva para ser incapaz de realizar qualquer coisa em tempo ágil.

Mentiria se dissesse que não faço nada, mas tudo que faço demora pelo menos 3 vezes mais. Em um dia, sou capaz de me empenhar em uma tarefa apenas — se tiver mais alguma tarefa, esta fica para amanhã. E assim vai.

Tarefas se acumulando, demandas não sendo supridas, meu lazer completamente soterrado pela culpa de ser incapaz de funcionar normalmente...

E minhas relações interpessoais, ainda que mais tranquilas devido a uma agressividade mais controlada, ainda não ficam realmente boas — eu sigo soterrada em inseguranças que atrapalham as interações, eu só tenho uma awareness maior e tento não jorrar para cima do outro o que é, de fato, problema meu. Muitas vezes, sem sucesso.

Eu não sei se existe algum equilíbrio, se algum dia eu vou ser capaz de ser funcional sem estar em mania, ou se precisarei dela pelo resto da minha vida. Suspeito desta última opção.

Se fosse mais simples, eu não veria problema em viver em mania — afinal de contas, eu consigo funcionar, eu consigo fazer aquilo que preciso fazer, consigo fazer aquilo que quero fazer, consigo levar uma vida. E, ainda assim, o preço a se pagar é enorme.

Eis que chego a um dilema: ser funcional e prejudicar todas as minhas relações interpessoais, ou ter relacionamentos relativamente saudáveis e ser incapaz de funcionar como ser humano? Eu sinceramente não sei a resposta. Quem sabe um dia eu descubro.

Um comentário:

  1. Sempre que vejo a palavra "mania" me lembro de uma personagem que apareceu somente uma vez na trama de Percy Jackson, deve ter sido em Os Heróis do Olimpo mas agora não me lembro do livro. Ela estava presa em uma memória, um loop, como se estivesse em um estado obsessivo com uma lembrança, a repetindo e se mostrando uma verdadeira maníaca por causa dela. Ler essa postagem me fez pensar nela com outros olhos.

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